quinta-feira, julho 09, 2009

Encantos refugiados

Continuo sem saber o sentido de palavras pioneiras.
Insistem as pessoas a revelarem-me que são as primeiras. No jardim, na rua, nas lojas, ou nas janelas entreabertas das casas, onde deixam surgir o reflexo de alguém que está de dentro. Acabo por permanecer a olhar, um carrinho de bebé e uma mãe que o olha o seu filho. Sentado ao lado, o pai que admira o esplendor e a beleza da família.
No meu olhar ainda distante, sente-se a felicidade, e o meu coração acaba por sentir a emoção de um desejo, de um vago sonho.
Pergunto-me no decorrer dos dias, como podem duas pessoas significar tanto nas nossas vidas, nos construírem enquanto pessoas. Não sei se devo agradecer pelo que nunca tive, ou se devo agradecer pelo que sempre sonhei ter.
Um pai alcoólico, descoberto mais tarde como incógnito. Uma mãe que me abandonou e uma simples razão que falhou. Qual é o sentir de criar seres dentro de nós, para esquecermos que eles existem mesmo quando os suportamos com as nossas próprias mãos?
Nunca fui mãe. Ainda sou muito nova, mas sou filha de dois seres que me viram crescer, e pelos quais me pergunto se fez de certa forma alguma diferença.
Nas minhas memórias vivas, em tudo o que faço e no que permanece em cada passo que dou, lembro cada um dos que ficou para trás. Mas apercebo-me, será que segui em frente?Não.
Continuei agarrada a um passado que não me elevou mas me rebaixou. Saudades de dizer "Mãe" e "Pai", talvez pela mera certeza das duas existências e presenças ainda comigo.
Vivi 16 anos, e hoje revelo-me algo que não sou e não tenho capacidade de caracterizar. Sinto-me filha da sorte, por esta de facto nunca me ter abandonado e me ter permitido fazer as escolhas a meu ver, mais certas.
Cresci, levantei-me sob os meus erros, e por vezes inseguranças mas com esperanças de que um amanhã pudesse ser diferente do hoje que eu observava, ainda que na pura crueldade me fizesse sofrer.
Sinto que os meus pais entregaram-me ao vento, possivelmente para que ele me transportasse para tão longe quanto a ilusão voa. E se hoje sou filha do vento, renasci nas cinzas do meu ser que os meus pais queimaram outrora.
Gostava de ser tanta coisa, gostava de ser diferente talvez. Porque nunca tive nenhum pai ou mãe que me pudesse dizer "orgulho-me de como podes ser tão especial". Nunca tive, e nos sonhos onde surgem, são ilusões criadas a partir de desejos encantados de crenças que se tornam já esgotadas.
Qual será o agradecimento? O sentido? Porquê o valor do peso?
Que têm em nós a surgir a todo o instante e momento. Temo me dispersar sem forças no que todos chamam de "tempo", pelas simples dúvidas que surgiram como perguntas, e as respostas surgiam sempre nas vozes daqueles que nós dizemos "Os que mais nos amam". E é nesse momento, que sorriu e digo "O vento aceitou-me, é o melhor pai e mãe que poderei ter."

Patrícia Vieira

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